sábado, 12 de fevereiro de 2011

Amigos, amigos, paixão à parte

A paixão de um torcedor pelo futebol quase sempre é algo inexplicável. Envolve discussões, brincadeiras, provocações sadias ou não, algumas brigas, troca de ofensas e muita vibração pelo gol de sua equipe ou pelo mau momento do adversário. O ideal seria que a situação se normalizasse depois, com a tranquilidade e a paz restauradas e tudo voltando a ser como antes. Principalmente, em um clássico como Cruzeiro x Atlético de hoje, às 17h, na Arena do Jacaré, pela terceira rodada do Campeonato Mineiro, em que as diferenças se intensificam e a relação entre grandes amigos deve ser mantida, sem que a rivalidade e a violência deem lugar ao respeito mútuo e à cordialidade.

Há quem tente limitar essa paixão ao campo de jogo ou às provocações dentro do limite do razoável. O professor universitário Carlos Magno Torres, de 54 anos, por exemplo, nutre há quatro décadas amizade com o advogado Caio Mário Mendonça, de 52. Eles se conheceram ainda na infância, quando estudaram no Colégio Arnaldo, jogaram partidas de futebol juntos, frequentaram os mesmos lugares. Porém, cada um seguiu sua profissão e escolheram times diferentes para torcer: Carlos é cruzeirense e Caio, atleticano. Eles sempre arrumam tempo livre para se encontrar nas segundas-feiras e contar as novidades da semana. Todavia, o assunto principal continua a ser o futebol: comentam as partidas de suas equipes, as principais jogadas e ainda sugerem soluções para o sucesso dos dois clubes no ano.

A convivência é muito tranquila. Cada um tem sua preocupação e trabalho, mas a vida de ambos está ligada, sobretudo pela rivalidade que cerca o esporte. Não há como evitar essa ou aquela provocação, mas a união e a felicidade falam mais alto. “Mantemos respeito um com o outro e somos gentis. A amizade prevalece. Nós discutimos futebol toda semana e continuamos sendo grandes companheiros”, diz Carlos Magno, fã do ex-zagueiro Luisinho, que passou por Villa Nova, Galo e Cruzeiro e disputou a Copa do Mundo de 1982. Ele conta que sua mulher é atleticana, mas não há brigas por causa de futebol: “Temos um trato. Eu vejo os jogos do Galo e ela assiste aos do Cruzeiro, mas ficamos calados”.

O professor e o advogado assistiram juntos a vários clássicos nos anos 1970 e 1980 – quando os ingressos para as torcidas de Raposa e Galo ainda não eram vendidos separadamente. Os dois amigos adoravam a geração de Palhinha, Dirceu Lopes, Natal, Dario, Luisinho, Reinaldo, que encantou os gramados mineiros. Atualmente, por causa da violência, eles preferem acompanhar os jogos pela TV e, em seguida, discutir os lances.

Caio lamenta o fechamento do Mineirão para reformas com vistas à Copa do Mundo de 2014. Ele não concorda com a realização de partidas na Arena do Jacaré: “Os ingressos são caros e o deslocamento até Sete Lagoas é longo. Os clubes perdem recursos, e o torcedor não vai ao estádio. Com isso, o futebol fica mais pobre e as equipes não têm como contratar bons jogadores, porque as rendas são baixas. Por isso, Cruzeiro e Atlético deveriam cobrar do governo o adiantamento das obras, pelo menos do Independência, que é a segunda casa do futebol em Belo Horizonte”.

SEGURANÇA Consciente da paixão do torcedor brasileiro pelo futebol, ambos têm a mesma opinião quando o assunto é garantir a segurança nos estádios: “As pessoas têm de reconhecer seus direitos, limites e obrigações, e o Estado deve fiscalizar tudo isso. Ele deve organizar para que haja o bem-estar de quem quer prestigiar o jogo. Além disso, o torcedor quer e tem direito de assistir a um bom espetáculo”, critica o atleticano.

Para evitar confusões entre torcidas organizadas e tragédias – como o assassinato do cruzeirense Otávio Fernandes, de 19 anos, em novembro do ano passado, depois de um briga com torcedores do Atlético, na Região da Savassi –, o professor cobra mais atitude das autoridades: “A sensação de impunidade prejudica o espetáculo. Com o respeito, tudo muda. Se tivermos esse olhar, a situação será diferente”.

Já o advogado cita alguns fatores que provocam violência nos estádios: “Rivalidade existe no mundo inteiro, em clássicos da Espanha, da Inglaterra e da Itália. O próprio clima de disputa, a impunidade, além do álcool e drogas, provocam a violência. É necessário que a Justiça faça sua parte, mantendo a ordem e condenando os que atrapalham a festa”, diz o advogado.

Em relação ao clássico de hoje, Carlos Magno não tem dúvida: “Vai ser 3 a 0 para o Cruzeiro, que tem de provar para o rival que é time de verdade”. Caio, por sua vez, prefere não opinar: “Clássico é clássico. Há muita rivalidade e equilíbrio”.